quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O SERENO

Hoje eu sei o que é o sereno. Passei toda a noite (juro) sentado na calçada olhando para um retrato teu. Confesso que fiz isso só para poder dizer que passei toda a noite sentado na calçada olhando para o teu retrato. Não, não é pouco. Ademais, eu não podia simplesmente inventar uma história dessas. Que valor pode ter uma história inventada, afinal? E que amor pode existir que não exija grandes aventuras? Não as de matar dragões e vencer exércitos invencíveis, mas a de passar toda a noite sob o céu isento de estrelas; não as de por a correr os bichos mais ferozes, mas a de colher na boca o gosto da madrugada e no gosto da madrugada o gosto da boca de quem se ama. A grande, a imensa aventura de chorar sozinho enquanto a cidade dorme e escutar ao longe o apito tristonho do guarda-noturno; travar amizade com o meio-fio e compreender os sentimentos das pedras da rua, sorrir para elas e dizer-lhes “Olhem, esta é a minha querida, o meu bem, o meu anjo”.
Passei toda a noite sob o céu firmamento e recebi na minha face o sereno frio. Era um manto tão leve, leves mãos que me afagavam. Era a tua face sorrindo, os teus olhos que me guardavam, enquanto eu fitava no teu retrato 3 x 4 a imensa beleza do mundo, a inominável paz da noite provinciana.


Nenhum comentário:

Postar um comentário