quarta-feira, 10 de setembro de 2014

AS XICARAS

Esta vida há de me matar,
impiedosamente; 
com o sol e seus bilhões
de nêutrons.
Haverá de dar cabo de mim
e de todos nós,
sem nenhum espetáculo
sem nenhum alarde,
esta vida

estas ruas fedorentas
esta gente faminta -
há -
os parques entulhados;
as cotas diárias de desespero.
as xícaras
cheias do vexame alegre
e dessa confiança
que não é senão a inútil
agitação,
inútil e moribunda.


domingo, 7 de setembro de 2014

OS VELHOS

(para Fernando e Cecília)

Ainda hoje os velhos jogam dominó
ou damas
ao pé da igreja de São José
sob as árvores do Largo do Belém,
nem mesmo interessa-lhes o sexo,
inclusive o amor e suas ilusões.
Não porque são velhos -
o tempo não arrefece, por si só,
aquela chama.
Não, não o tempo,
as tibiezas do corpo em declínio, talvez,
um pouco.
As fábricas e as horas extras,
a vida que não se ganha em grandes nacos,
mas as migalhas distribuídas
cotidianamente,
e a escuridão
da antemanhã e da noite,
os bondes e elétricos, os ônibus
e as composições de trem.
Há quem diga que esse mundo
não mais existe,
e que o trabalho se transfigurou,
mas ainda hoje
os velhos jogam damas
sob as árvores do Belém
ao pé da igreja de São José.