sábado, 24 de outubro de 2015

DANIEL NA COVA DOS LEÕES

Apenas a luz dos olhos felinos
dissipa o espesso negrume da caverna;
apenas os vorazes olhos das feras são a luz
que depois de acesa não se pode apagar.
(macho e fêmea Deus os criou).
Esta, a quem mais coube a ordem de preservar,
aproximou-se
e farejou o manto que cobria a carne trêmula.
Por um instante, 
ela esteve pronta para dilacerar
e ofertar aos seus pares o estranho banquete,
que, estranhamente,
fitava um céu invisível,
um reino muito além do de Dario, seu senhor.
E, por isso, ou por aquilo,
ímpeto contra ímpeto,
a natureza inteira se desfez,
a luz se apaga
e nos olhos do encoberto
ainda outra luz igual ao escuro
se confunde,
é manhã e noite; noite e dia.
Henry Ossawa Tanner - Daniel na Cova dos Leões

sábado, 17 de outubro de 2015

PRECE

Ave Maria, gratia plena
a luz da tarde dessa quinta-feira
se esvai.
a luz da tarde. cambaleando.
pela rua cubatão

- são paulo - l6 de abril - 1992.
Maria
os edifícios expõem a negra face
nunc et in hora mortis nostrae
ora pro nobis.
eu te amo Maria
mas o amor não é nada
presta atenção
os automóveis é que são
eternos,
e a sombra nos cobrindo.
Dominus tecum
a luz da tarde dessa quinta-feira
benedicta tu in mulieribus
bendita tu entre todas as coisas
e bendito o fruto qualquer
e o ventre qualquer.

Anselm Kiefer

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

EM CONFORMIDADE COM UM CERTO EPIGRAMA

Eu bem que podia passar sem o teu rosto;
(et vultu poteram tuo carere)

e a noite passaria em mim, 
sem nenhum rastro,
sem nenhum soluço.
Eu bem que podia passar sem os teus olhos;
adviesse o dia cálido,
seu manto de luz.
Eu bem que podia passar sem os teus seios;
sem as tuas pernas;
sem as tuas mãos.
Eu bem que podia passar e não me fatigar
enumerando;
eu bem que podia passar sem ti,
inteira e teu perfume;
inteira e teu hálito;
e não me fatigar enumerando.

Edward Alfred Cucuel

TÉRMITOS

Esses ínfimos seres
brilhando asas
sob a luz de vapor:
(intestinos onde vivem
outros seres)

Buscar a luz é, 
logo,
sem asas e sem olhos,
amar a escuridão sólida
da terra.

Dominik Halas - Black and White

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SARDENTO, BRIGUENTO, SARGENTO

Piadas, risadas
quem pula da escada
lá do último degrau 
é o sardento,
briguento, sargento.

Lá vão os astronautas
pulando as janelas
e os médicos rasgando as calças
nas estrepolias pelo mato.
Anti-futuristas inconscientes
inocentes
anarquistas
socialistas
capitalistas
todos, todos eles
brincando de pega-pega
brincando de gente grande
“Coisa que gente grande não sabe fazer”
Capoeira com poeira
furtar laranja da feira,
rolar na grama, brincar de cama
viver de brincar, brincar de viver.
Vickie Wade

domingo, 11 de outubro de 2015

A LUA CHEIA

A lua é desabitada,
porém moram nelas esses povos
pequenos
e fazem suas casas
minguantes
novas
cheias
crescentes casas a sul
norte
leste
oeste da lua
desabitada.
Ontem recebi uma carta
de um menino pobrezinho
morador da lua
ele não se conforma que se ignore
a vida dele
e dos outros 
luninos.
Picken Midnight Train To The Moon - For Children Paintings By Valentina Miletic Painting


domingo, 4 de outubro de 2015

VARDARAT, GHIBLI, ZÉFIRO, LEVECHE, ETESII, KHANSIN

Diz o poeta que só de ouvir passar o vento valeu a pena ter vivido. 
Ontem o vento soprava forte e escuro, e mudava constantemente de direção. 
As folhas das árvores agitadas gritavam estranhas palavras, 
e era o própio vento quem lhas soprava nos ouvidos verdes.

Em todos os tempos e em todos os lugares os homens deram nomes aos ventos, 
como a tudo. Dar nome é uma maneira de adquirir algum poder sobre a coisa nomeada, 
nas mais das vezes porque tudo se nos escapa, tudo é estranho e indizível, 
tudo é o não sei o que.

Os ventos que sopram sobre as ruínas de antigas cidades; 

os ventos que sopram sobre as lavouras, sobre os pastos; 
os ventos que sopram do mar; os gélidos e duros ventos do norte; 
Nós que somos apenas um sopro e o pó levantado, como diz a antiga sabedoria.

O nome do vento, para que ele nos ouça, o nome do vento para que seja nosso irmão; 

o nome; com que nome me chamaria o vento? eu que não me posso mover 
além dessa fragilidade; eu que fraquejo no deserto, 
enquanto o vento quente e poderoso me arrasta.