domingo, 5 de novembro de 2017

PORTRAIT D'UNE FEMME SUR LA CITÉ

A verdade não existe,
no entanto,
tua mente e tu são verdadeiras
porque são belas.
Também o teu corpo
conduz a beleza
e é da vida condutor.
Porque tu existes
o mundo é mais claro
e a natureza mais certa
e em ordens.
Porque tu falas
as palavras são doces
e a cidade se arquiteta
e se ergue
não houvesse ciências
não houvesse minérios 
se ergueria.

Teu riso franco sobe para o céu crestado de estrelas,
teu riso franco outro astro
sobre a cidade
nova lua cheia, nova nave.

sábado, 4 de novembro de 2017

O MENINO DEUS NO TEMPLO

Não o que já foi aprendido, 
disso não mais se trata nem pode aborrecer
os doutores,
mas
o que se esqueceu e se vê
como jamais
tivesse sido visto - como
os pequenos e brancos siris que saltam 
na praia,
a lua vista da janela,
coloridas pedras caídas no chão -
peixes num riacho,
a flor no galho do arbusto,
vermelha, que pende sobre o muro
coberto pelo musgo;
saída da torre da igreja,
a andorinha azulando o céu,
a água, seu peso e movimento.

O antes do bem e do mal,
o sonho, a sílaba, o choro -
como os restos de lã caídos na estrada poeirenta,
a madeira aplainada com perícia,
o cheiro do azeite,
velhas sandálias sem seus pares,
pés descalços a pisar o pedregulho,
o vale por onde andou a minhã mãe,
a casa onde dorme, cansado, 
o meu pai.







quinta-feira, 2 de novembro de 2017

A RESSURREIÇÃO DA FILHA DE JAIRO

Por que aceitar a morte e celebrá-la?
Visitar os cemitérios e ver, 
nas lápides e túmulos,
não mais do que límpidos espelhos,
neles refletido o rosto, em silêncio, 
inclinado?
Por que pagar as carpideiras e entalhar a pedra,
ornamentar a madeira, 
ungir com finos óleos a pele fria,
cobrir de flores a câmara incensada?
Por que, afinal, crer no destino?
Sucumbir, ininsurrectos, em paz?
Outros espelhos recebem a eterna face,
pois um outro rosto é quem lhes fita
e adverte:
plúrima e não única,
vária, e não ímpar, é a vida;
clara e escura, a campina e o paramo.
O desfiladeiro e o caudal, sol, salina, sereno.
Vigília e quietude, rio de sono,
pois dorme a criatura,
dorme apenas,
nos braços do tempo dorme,
sob o manto da noite dorme,
dorme até quando, docemente, ouve:
Levanta, menina, e anda.
Raising the Daughter of Jairus (web)