domingo, 27 de dezembro de 2015

EXUMAÇÕES SEGUNDAS

- para Rosangela Silva -

Saíamos às ruas, quase desertas ruas e quietas,
a desejar aos senhores e senhoras um bom princípio,
em troca receber algum trocado;
(mas como é que uma mulher engravida? 
um beijo, talvez?)
Como se fazem os homens, afinal?
de que matéria estranha e invisível?

Esses homens para sempre enclausurados
em uma cidade ardente e intocável,
e que recebem a notícia sempre a mesma?
São novos e novos anos sempre velhos e velhos,
num rosário de nascimentos e mortes, 
do que não começa nem termina,
mas percorre os becos, avenidas  e córregos,
de Sertãozinho a Santo André.

Às vezes se apanha uma traíra à boca de lobo,
que desceu da colina desfeita, e um susto,
com o cheiro dos pinheiros entranhando-nos a alma.
Nenhuma música, nem vento que cante qualquer cantiga,
apenas o visível balançar da folhagem
e o estalar das mandíbulas do peixe.

German Expressionist painting by Hubert Roestenburg





domingo, 6 de dezembro de 2015

A TARDE NA ROÇA

porque a noite não existe - o que não há
a ausência nos cobrindo - a falta -
consubstanciada - a falta -

em seus termos escuros - uma memória
a noite é sempre uma memória:
Meu bisavô foi o maior artista
de quem já tive notícia.
Uma tarde no roçado
uma tarde que é essa mesma noite presente
uma tarde à beira do rio
com a artéria da perna vazando
por ofício da foice,
meu bisavô encontrou a morte.
Não era a morte com seu traje
de negação
nem o silêncio, nem o medo -
o sangue fluía no rio
e era o mesmo rio indistintamente
que dava para o mar indistintamente
e para o céu.
Quem divisará?
Tudo é memória -
e nesse momento em que está indistinto
o tempo e seu contrário
a noite é um bálsamo - profundo corte
a noite é um cálice - o vinho que falta
a noite é a dor extrema
a consolação do inconsolável.

Roça - Acervo Pincoteca Estado São Paulo