sábado, 29 de novembro de 2014

A CONSOLAÇÃO DE JÓ

Toda a vida é sofrimento.
E a mais infeliz das criaturas
é a que se apercebeu disso.
Fosse um réptil no deserto escaldante,
fosse o peixe que com a prata do oceano se confunde,
a pedra,
a errante estrela num céu de chumbo
e nada,
nada desse desalentado querer haveria,
e não haveria nenhuma promessa
que se não pode cumprir.
O leão arranca nacos de carne à zebra agonizante.
A serpente engole vivo o coelho que ainda vê, 
com seus olhos sem vida, 
o pasto orvalhado.
Morta, toda carne é confundida e não se sabe,
vivo, o trigo é separado.









sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A MORTE DE MOISÉS

Em qualquer latitude, 
em qualquer século
é a lastimável turba ignorante e apóstata; 
a gente lasciva
e sediciosa,
que não deseja nem almeja senão as coisas mais vãs;
Sim. É a vaidade e a luxúria,
a gula,  a sede de sangue.
São os parricidas, os corruptos, 
estupradores,
parasitas,
os usurários, escravagistas,
os que humilham e ofendem;
os que carregam látegos e se cercam de capatazes
e lacaios;
os mentirosos inescrupulosos; 
os acumuladores
de toda sorte; os ladrões.

São.
Estes são os herdeiros da terra; 
são os filhos queridos,
para quem o leite cobre os campos e os rios
se precipitam em torrenciais cascatas
de mel.

No alto do monte, inconsolável, 
sem poder compreender 
porque é
que essa ralé não tem ouvidos para ouvir
nem olhos para ver,
o velho alquebrado ainda recita um poema,
que ouviu de Deus num sussurro,
a inútil poesia como um alento:
os trigais a cultivar, o frescor da cebola,
os vinhedos perfumados;
Mirando ao longe o sol no oriente, 
como numa miragem,
a alma procura a escuridão. 
e a palavra se torna silêncio
que não se pode inscrever em tábua alguma.




terça-feira, 25 de novembro de 2014

CONSIDERAÇÕES AO PÉ DO MAR

Nenhuma palavra diz o mar 
em seu movimento de ondas, 
contra as pedras e contra a areia;

São águas sem fim 
enquanto permaneço na praia,
Mas ele nada diz em seu silêncio profundo.

Tão curta a vida e tão vasto o mar!

Eu cruzei essas venerandas águas
para, enfim, te encontrar.
E nesse pequeno porto eu te perdi.

Nenhuma palavra das ondas,
nenhuma palavra de sal
nenhuma palavra de iodo.
E não é que eu não compreenda
sua fala estrondosa, seu possível dialeto,
porque cedo aprendi a língua dos peixes.
E os peixes ouviram Antônio,
mas não ouviram jamais o mar.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

ABEL E CAIM

(para Antonio Damasio)

De acordo com Nietzsche, 
os homens dizem
a verdade, 
não porque lhes obriga
qualquer Deus
que lhos puna,
mas
porque é mais simples, 
porque é mais fácil, 
e
a mentira é um sem fim
o novelo cujo fio se perde, 

e se não pode resgatar, 
nem reunir
as pedras atiradas ao chão.
Isto sabia o homem 

quando perguntado por seu irmão,
cujo sangue clamava desde as entranhas da terra,
com sua voz vermelha e grossa.
Mas disse: 

serei eu o guardador de meu irmão?
Ora, um crime sucede outro crime
e o desejo tragou o orgulho nascido na inveja 

e esta
no descuido mesmo do cuidador:
pois são os irmãos a se matarem,
e a terra infecunda já, 

e com muito esforço,
se faz crescer o amargo fruto
da estranha planta e sanguínea.

Van Gogh - Oliveiras com céu amarelo e sol






JONAS EM NÍNIVE

Não foi certamente à margem do Tigre
que Jonas cansado e coberto pela fedorenta 
gosma do peixe
lançou imprecações contra aquele mesmo Deus
que não deu nenhum valor,
nenhuma importância
para essa fenomenal aventura,
esse
descomunal mistério.

Não.
Tinha apenas o propósito de que Jonas seguisse em frente
e não temesse ser escalpelado ou empalado e,
que,
chegando incólume às portas de Nínive,
falasse em praça pública contra os atônitos assírios
com argumentos invencíveis,
para que se arrependessem estes
de toda uma vida de atrocidades e sevícias.
E assim se dá.

Porém, nada disse sobre aquela viagem
no vente do peixe
e limitou-se às ameaças terríveis
à cidade terrível -
de modo que ninguém saberia através dos tempos,
nem havia testemunhas
ao pé do mar da Palestina.

Sozinho, sentou-se Jonas novamente
em uma praia distante,
com raiva de que Nínive viveria,
porque se redimira,
conforme o propósito de Javé.
E ali mesmo escreveu um livro sobre o grande peixe,
para que ninguém duvidasse
de que Nínive não tinha importância alguma,
e que havia ele ressuscitado
antes mesmo de ter morrido.



sábado, 15 de novembro de 2014

LÁZARO RESSUSCITADO

Não é a mente o continente do mundo.
Que hora tão triste e que tarde sem aragem.
Os olhos redivivos miraram mais uma vez
A luz do mundo;
(Quatro dias como quatro estações)
Por trás do sudário que lhe cobria o rosto
Lázaro, sequer, chorou
Como quando, saído do ventre de sua mãe,
foi apartado daquela umbilical atadura.
Apartadas essas, agora, que lhe prendiam os pés
Caminhou insepulto
E, talvez, procurou pela voz que lhe ordenara
gravemente
Sair da gruta escura onde apodrecia
e desligar-se da morte.
Ou, então (nós não compreendemos o mundo)
Lázaro chorou copiosamente.
O cheiro das oliveiras e o deserto ao longe,
os gritos de suas irmãs.
Retornado do ventre da terra, 
sob a luz indecifrável de um sol jamais visto,
Os olhos voltados para Jerusalém,
Lázaro chorou,
Porque a vida é um caminho sem volta.
Imagem colhida no Google