terça-feira, 18 de junho de 2013

NAVIO NEGREIRO

Cedo, ainda muito cedo, com a noite vestida com seu manto azul, 
meu pai costumava me acordar com um leve pontapé nas costelas, 
eu que dormia no chão, em um colchãozinho.
Não, não há mágoas, há memórias. Há um desconsolo,

há o que tornou-me homem feito e que não gosta de acordar as crianças em sobressalto.
Sim, ferro contra ferro, o cheiro ácido das rodas do trem contra os trilhos na estação 

enevoada e escura. Caminho para o trabalho. O dia ainda vestido com o manto negro da noite.
O trem, como um grande navio negreiro, recolhia aflitos, 

da multidão de trabalhadores, os rostos, os sonolentos rostos e espantados.
Pais e filhos, mães e filhas. José, Maria, José. 

São muitos os grilhões, são muitas as cadeias. É preciso a libertação, sim. 
É preciso.
Há muito os navios cruzam os oceanos por causa do comércio: do café; 

do açúcar; do alho; do sal que salga a vida. É preciso um oceano de tempo. 
O meu pai tem o meu perdão.


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