Comprei
ontem, em uma loja do centro da cidade, uma pequena caixa de música.
É estranho, mas ao ouvir o som delicado e até
melancólico, tive a nítida sensação, ou
antes, a alucinação de estar cruzando a rua onde
moravas. Eu era jovem e tu eras jovem. Havia árvores de onde
caíam gotas frias da água da chuva que se acumulara;
havia o longo muro da escola onde eu escrevi, com tinta spray e olhos
marejados, o teu nome divino e as palavras “eu te amo”; havia a
cor azul da janela da tua casa e a cor azul do céu no dia em
que eu te vi pela primeira vez. Havia - meu Deus, como me lembro - a
cor negra dos teus cabelos, a cor negra dos teus cabelos.
Só
hoje me dou conta daquela imensa felicidade; só hoje me dou
conta que a felicidade está sempre na distância desses
dias periféricos. Dias luminosos e de preocupações
tolas; de mães que gritam chamando para o jantar; de furtivos
olhares crispados de luzes e pequenos poemas colhidos como flores do
peito. Só hoje me dou conta desse arrebatamento. Eu que
endureci
e me
tornei pesado, de pesado passo. Ouvindo o tilintar dessa coisa
simples que é uma caixinha de música, parece que
caminho agora com a leveza, não dos meus, mas daqueles teus
passos. Leves passos de menina, que ao invés de gravarem no
chão alguma pegada, iam escrevendo pelo caminho a palavra
“amor”.
Sempre admirei, com uma pontinha de inveja, esse seu jeito fácil e doce de desenrolar as palavras em pequenas em pequenas canções e aquarelas. É assim,faz bem aos ouvidos quando leio em voz alta e aos outros sentidos quando o texto me faz sentir um expectador presente na cena.
ResponderExcluirQuero continuar invejando...
Velho e querido parceiro, nada há para invejar. Quanto a ser espectador na cena, principalmente nesse texto, saiba que é como se você andasse ao meu lado naquelas ruas antigas e, na verdade é mais o amorosíssimo Sapo quem fala do que eu, que era mudo e taciturno. Um grande abraço. Você é que é um homem de dar inveja.
ExcluirO poder mágico das caixinhas de música e a delícia da sua escrita...que lindo encontro!
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