quinta-feira, 21 de março de 2019

AS NÚPCIAS

Nenhuma palavra foi dita,
e José se prostrou,  o peito arfante,
e beijou-lhe os pés e tomou-lhe as mãos;
a luz na câmara, 
réstia de sol, ainda permitiu
entrever seus olhos que se abaixavam,
tímidos, envergonhados,
claridade contra claridade, 
a aurora desvelando
em suas costas os vales e os montes de um país
de delícias.
E disse, num murmúrio, 
mulher, 
amada, 
comparada à égua atrelada ao carro de faraó.
E disse, num soluço, filha, 
gazela cujas escapadas receio,
amor, amiga, irmã, Maria
teus beijos são melhores do que o vinho, 
melhores do que o vinho
teus amores; 
e não reparou a morena tez, 
a pele pelo sol nazareno queimada,
e disse, num choro, 
és bela, 
como és bela minha amada
e terrível, disse,
terrível como um exército, 
um exército com as bandeiras 
desfraldadas.
E disse, a voz de um anjo, 
um rio de sangue quente,
líquidos os meus ossos, 
líquida a minha carne,
disse, este é o corpo da aliança, 
a semente imorredoura,
a febre, a estrela que guia os que vagam no deserto,
este sou o sol, 
a palavra, a verdade e a vida.