amava mais os pássaros do que a música
celestial com que preenchia
as naves das catedrais,
esta mesma música
que se derrama e inunda
o meu peito cheio de dor
na manhã de um domingo, o sexto
deste tempo comum
quando as estrelas se movem sem mistério
sem mistério nem salvação
a luz mística da manhã -
mística e não misteriosa -
mística e breve luz da manhã
deságua como se de água se tratasse
escorrendo pelos ladrilhos da nave central
do Mosteiro de São Bento.
Não sei por que razão,
ou sei,
mas
agora
não vem ao caso,
você me perguntou das horas,
e eu esqueci de dizer
que
o tempo não se divide
senão que a necessidade de muito produzir
inaugurou nossa vida.
Pergunte ao camponês que semeava
seu campo
quando Jethro Tull ainda montava
um cavalinho de pau;
pergunte à fiandeira,
branca moça de olhos fundos,
a mirar na roda do tear
a ciranda dos dias e das noites
sem número
e eles não saberiam
não saberiam dizer
nem mesmo em que século viviam
e a trama do tempo
era feita da própria vida,
do cerzir cuidadosamente
ponto por ponto
a fim de não se conhecer a costura
a intrincada costura do tempo,
o ponto invisível.
Não que aquela vida
daquele século
ou de outro
fosse melhor do que esta
do que a vida em qualquer dia -
é tudo sempre tão espantoso -
A água da chuva que escorre da encosta
e perfura a pedra calcária,
criando esses incontornáveis
desfiladeiros;
os pelicanos e as gaivotas
espreitando
o barco que se aproxima da marina
ao final da auspiciosa pescaria.
Exceto a espécie humana
somente os pássaros,
tão amados, se aventuram no ardor
da pimenta,
embora a percebam como um fruto doce.
Soam os sinos estrondo e estanho
vibram os meus ossos
como as cordas de um instrumento impreciso
ou como os tubos de um órgão magnífico.
Há pouco eu nem existia nem tu também
daqui a pouco deixaremos
de existir
e restará a paisagem e o silêncio,
o novelo das eras decomposto,
o fio que se prende à eternidade.
Fragonard - O balanço |
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