Esta vida há de me matar, impiedosamente; com o sol e seus bilhões de nêutrons. Haverá de dar cabo de mim e de todos nós, sem nenhum espetáculo sem nenhum alarde, esta vida
estas ruas fedorentas esta gente faminta - há - os parques entulhados; as cotas diárias de desespero. as xícaras cheias do vexame alegre e dessa confiança que não é senão a inútil agitação, inútil e moribunda.
Ainda hoje os velhos jogam dominó ou damas ao pé da igreja de São José sob as árvores do Largo do Belém, nem mesmo interessa-lhes o sexo, inclusive o amor e suas ilusões. Não porque são velhos - o tempo não arrefece, por si só, aquela chama. Não, não o tempo, as tibiezas do corpo em declínio, talvez, um pouco. As fábricas e as horas extras, a vida que não se ganha em grandes nacos, mas as migalhas distribuídas cotidianamente, e a escuridão da antemanhã e da noite, os bondes e elétricos, os ônibus e as composições de trem. Há quem diga que esse mundo não mais existe, e que o trabalho se transfigurou, mas ainda hoje os velhos jogam damas sob as árvores do Belém ao pé da igreja de São José.