Metade da obra não é a obra. metade É terem ficado os mares secos. metade do dia, noite. metade do rio, leito nulo, a asfixia das plantas. Metade do sexo, esterilidade. Metade É o filho dividido pela espada ninguém sendo mãe. Metade da vida, morte. Metade do mundo bebe leite, cresce, ama, se identifica, chora se comove, metade não se move. metade são cidades iluminadas perfeitas celestes, metade são tristezas lixeiras viveiros somálias áfricas américas latinas.
Esperamos pelas águas sagradas e profusas; nelas o próprio espírito de
Deus pairava e não havia dia nem noite; esperamos pelas águas, pelo
milagre do que é fluido, como fluida é a própria vida; esperamos pelas águas ternas e límpidas, pelo beijo da chuva, seu beijo prateado. Esperamos.
Esperamos pelas águas rasas e profundas; à beira mar, na beira rio, sob
as pontes iluminadas a vapor e medo; esperamos pelas águas, pelo tempo
do que é belo e frágil; como bela e frágil é a própria vida; esperamos
pelas águas frias e cáusticas, pelo canto da chuva, seu canto
melismático. Esperamos.
Esperamos pelas águas calmas e
profícuas; no ancoradouro, no Rio Amarelo, na aldeia, no Tigre e no
Eufrates; esperamos pelas águas, pelo quase nada da vida, que é fluida
como a própria chuva; esperamos pelas águas eternas e verdadeiras, seu
sussurro de águas, a revelar um segredo. Esperamos.