meu pai costumava me acordar com um leve pontapé nas costelas,
eu que dormia no chão, em um colchãozinho.
Não, não há mágoas, há memórias. Há um desconsolo,
há o que tornou-me homem feito e que não gosta de acordar as crianças em sobressalto.
Sim, ferro contra ferro, o cheiro ácido das rodas do trem contra os trilhos na estação
enevoada e escura. Caminho para o trabalho. O dia ainda vestido com o manto negro da noite.
O trem, como um grande navio negreiro, recolhia aflitos,
da multidão de trabalhadores, os rostos, os sonolentos rostos e espantados.
Pais e filhos, mães e filhas. José, Maria, José.
São muitos os grilhões, são muitas as cadeias. É preciso a libertação, sim.
É preciso.
Há muito os navios cruzam os oceanos por causa do comércio: do café;
do açúcar; do alho; do sal que salga a vida. É preciso um oceano de tempo.
O meu pai tem o meu perdão.